Infelizmente, ou não, a cultura que rodeia a produção de software é largamente influenciada pelas criações de países de língua inglesa que expressão novos conceitos na sua lingua que muitas vezes perdem significado na tradução. Já analisei aqui o problema da palavra “Design” e como “Design Patterns” perde muito do seu significado na tradução para “Padrões de Projeto”. Hoje vou abordar o problema da palavra Lead, usada em expressões como Lead Architect e Lead Designer (já estão a ver o duplo problema aqui, certo?) e a diferença para Leader.
Ora, Leader , em português Líder é alguém que tem o papel de guiar mas tem comando sobre outros. Enquanto que Lead (Condutor) é apenas o que tem papel de guiar e estar à frente. Estar à frente significa ser o porta-voz.
A cultura local absorveu o conceito de forma errada substituído aquilo que era intencionalmente apenas um Condutor para aquilo que se espera ser um Líder e expressões como Lead Architect viraram Líder de Arquitetura ou Arquiteto Líder e Lead Designer virou “Líder Técnico”. Note a dupla perda de significado já que Designer é o responsável pelo design, ou seja pelo conhecimento de como todas as partes se integram e trabalham juntas dentro do software. A palavra “Técnico” é extramente pobre para convir este significado. Quanto a mim não tem, sequer, nada que ver.
As empresas ,então, procuram lideres técnicos. Mas o que faz um lider técnico ? A resposta é simples :”lidera a equipe de técnicos” no sentido de “comanda” ou “é responsável por” ou ainda, em alguns casos , “responsável por domar a equipe de técnicos conforme os preceitos da empresa”. Ora, isto não tem nada que ver com software e o conceito de Lead Designer e sim com a arcaica hierarquia pseudo-militar que as empresas tanto gostam de usar. Tem mais que ver com o conceito de “Team leader”, que é outra coisa completamente diferente. Para começar “Team leader” não é um cargo, é um reconhecimento. Muitas vezes o erro vai mais longe e se confunde Arquiteto com “Líder Técnico” o que causa vários desastres quando o líder técnico não sabe de arquitetura ou quando o arquiteto não sabe de liderança.
Depois estas mesmas empresas não entendem porque seus projetos têm problemas e existem conflitos. É porque a hierarquia da empresa não corresponde com as responsabilidades necessárias a fazer um software nem com as capacidades das pessoas em cada nível.
Acentuo que “líder” não é um cargo, é um direito, uma conquista. Uma conquista de respeito. As pessoas seguem a um líder não porque ele as ordena, mas porque elas confiam nele. O comando vem depois de que a pessoa já deu provas que as suas ideias, ações e valores sempre resultam em bons resultados para essa mesmas pessoas que confiam nele.
Parafraseando Platão, A força do Homem é medida por aquilo que ele faz com o Poder. Mas o carácter do Homem é medido por aquilo que ele faz sem Poder. Ou seja, líderes não se criam, eles nascem. E depois que eles provam o seu valor é lhes dado o poder de comando. Contudo, isto que é válido na vida militar ou politica, não é válido na vida técnica. Lembre-se que nem os militares nem os políticos são técnicos – ou seja, não seguem nenhuma disciplina racional especifica. Militares seguem ordens e são bem treinados para executar qualquer tipo de ordens e Políticos simplesmente convencem pessoas pelos seus interesses. Não ha ciência por detrás destas atividades e por isso a importância de lideres que tenham a capacidade de agregar pessoas junto a eles : carisma.
Tudo bem que o carisma pode ser usado em qualquer área, inclusive em equipes de software. É especialmente útil quando a pessoa não conhece a parte técnica e se baseia na engenharia social para parecer e alcançar aquilo que não é e não tem. Ou seja, o carisma poder ser uma boa forma de enganar os tolos. Em uma equipe de técnicos o trabalho acaba se resumindo à prática da construção de algo que funciona. Ora, carisma não faz as coisas funcionarem, é o conhecimento técnico e a experiencia que tornam possível levar ideias à prática e tornar requisitos em software.
Mesmo assim, as empresas procuram pessoas carismáticas que possam ser líderes de equipe técnica, ignorando o seu conhecimento. Isto provoca um efeito comum de quem comanda a equipe não saber fazer ele mesmo o que comanda aos outros. É aqui que o paradigma de divide entre o que é o mundo corporativo, militar e politico daquilo que é o mundo tecnico e prático. Nos outros mundos as pessoas aceitam e até – de certa forma – esperam que seus superiores não saibam realizar o que pedem. O general pode ter ampla visão das consequências do seu pedido e o soldado nenhumas, da mesma forma que o general pode não ter qualquer noção do tipo de capacidade fisica e mental necessárias a levar a cabo a missão e o soldado vivê-las diariamente. Em software, o software é sempre criados pelos desenvolvedores que são técnicos que conhecem as consequências do que lhes é pedido e sabem como as realizar. Nem todos podem ser assim, mas ha muito que têm esta capacidade. Diferentemente dos soldados.
É por isto que irrita que uma equipe de software seja comparada a um exercito. Me irrita ainda mais do que se comparada a um chão de fábrica. Sempre existe o conceito de que as pessoas não sabem o que estão fazendo e apenas estão ali para seguir ordens. Se isso fosse verdade coisas como “parecer tecnico”s não existiram.
As empresas de hoje, ajudadas pela incompetência funcional dos RH em entender o mundo do software, procuram as pessoas erradas para os cargos errados. Aliás não sabem exatamente que cargos seriam necessários e os confundem com algum tipo de hierarquia militar. As empresas que não fazem isto ( ou não o fazem tão Às claras) têm mais competitividade ( vide Google que ao mesmo tempo que ha responsabilidade ha latitude). Todos se esquecem que criar software é uma atividade intelectual e cujo treino está em saber mais e pensar melhor, e não em saber pouco e pensar mais.
As equipes de software apenas precisam de um Guia. Um porta-voz que fale por elas e que faça a mediação com outros envolvidos. Alguém com mais experiencia que possa decidir impasses técnicos e ajudar as pessoas a saberem mais e pensarem melhor. Não precisam de alguém que as comande. Precisam de um Condutor, alguem à cabeça das operações , um Lead , e não alguém que comanda cegamente , um Leader.
Tal como o problema do Junior e Sênior que foi completamente vilipendiado pelas empresas e RHs também os conceitos relativos ao papeis das pessoas em projetos de software o foram. Espero que com o tempo as pessoas cresçam mais conscientes dos seus papeis e exijam mais respeito pelas empresas contratantes e saibam escolher entre as empresas que dão valor real às qualidades realmente necessárias para trabalhar com software.
Espero que um dia exista uma expressão me português que signifique o mesmo que “Lead Designer” e não tenha conotação de hierarquia militar.
que legal