Vivemos em uma era em que os grandes vendedores querem nos convencer do conceito de SaaS: Software as a Service, na onda dos outros “as a Service” como Infraestrutura as a Service (IaaS), Dados as a Service (DaaS) e até Segurança as a Service (SECaaS), entre outros.
O problema é que Software as a Service é um pleonasmo. Software sempre foi, e sempre será, um serviço.
Poderíamos até dizer que todas as siglas “as a Service” são melhor descritas como “as a Software” porque todas elas envolvem algum tipo de software para funcionarem e proverem o seu “serviço”. Mas quero me concentrar na ideia do Software com um serviço. Na realidade como um conjunto de serviços. Todo o software só existe para prestar serviço. Nenhum software é um bem.
Diferentemente de um hardware que tem uma materialidade e é palpável, um software existe apenas como uma abstração e não é palpável. O software não é seu código, assim como um hardware não seus fios e transistores. O software é o serviço que é provido. Por exemplo, o Excel provê o mesmo serviço à vários anos, mas o código foi mudando e de adequando ao sinal dos tempos. Aquele código do Excel do Windows 3.11 não é o mesmo código que é usado online; mas o serviço é o mesmo: trabalhar com planilhas.
Um software pode executar vários serviços. Eles podem colaborar para um serviço maior, ou podem ser independentes. Um processador de texto promove o serviço de criação e edição de texto, mas necessita de serviços menores que colaboram, como um serviço de palete de cores de onde escolher a cor da letra. Um ERP, por exemplo, tem vários serviços principais e auxiliares que , em conjunto, prestam o serviço de organizar os recursos de um empreendimento.
Deveríamos então falar de Service as a Software.
O cinema mais próximo da sua casa presta um serviço de diversão através de permitir que as pessoas possam ver e ouvir as imagens e sons de um filme. Um serviço de streaming é um software que permite o mesmo no seu computador ou TV (as TV de hoje contêm um computador)
Ao longo do tempo mais e mais serviços foram convertidos em softwares. Este é o marco da era digital. Não os dados estarem registrados em bits, mas os serviços serem softwares.
A lista telefônica poderia ser impressa por máquinas que leem as informações de um disco. Informações essas diagramadas com um processador de texto e imagem. Os dados já eram digitais. Mas quando o serviço de pesquisar se tornou um software – como o Goggle -ai sim tivemos uma revolução. Por quê?
Por que o que realmente precisamos é de alguém, ou algo – neste caso – que realize serviços para nós. E não nos importamos de pagar por esses serviços. Queremos um jornal de papel ou um serviço de informação? A mídia muda, o serviço é o mesmo. Mas quando o serviço é digital, um ou mais softwares estão envolvidos: Service as a Software.
Queremos mesmo um telefone ou o serviço que permite comunicar com os outros ? Se a comunicação é no mundo digital, um ou mais softwares estão envolvidos: Service as a Software.
Queremos mesmo saber ler um mapa ou um serviço que nos guie ? Queremos mesmo um guia, ou o serviço de ser guiado ? Se a informação geográfica está no mundo digital, um ou mais softwares podem nos guiar: Service as a Software.
Queremos mesmo participar de leilões levantando a mão, ou queremos o serviço de adquirir um bem por um preço competitivo ? Queremos apenas comprar ou também vender ? Queremos o serviço que nos permita ambos. Se esse serviço é digital, um ou mais softwares estão envolvidos: Service as a Software.
Os exemplos são muitos. O ponto é que um software é um conjunto de serviços. Para que um software seja útil ele tem que prover um ou mais serviços que as pessoas querem ( ou aprendem a querer). Talvez substituindo um serviço realizando no mundo físico (leilões, guias, informação) , auxiliando um (diagnósticos médicos,vigilância) ou provendo um serviço que só faz sentido no mundo digital ( como um anti-virus ou um video-game).
O próximo passo, claro, é que o serviço não seja apenas virtual. O próximo passo é que o serviço seja também físico. Queremos carregar um móvel ao longo de um lance de escadas ou um serviço que mudanças ? E se esse serviço é um software, como ele move os objetos ? Com braços mecânicos. A era dos robots nada mais é que a era dos serviços de software que atuam no mundo real e o compreendem. Mas nem sempre precisamos de robots. Queremos nos deslocar do ponto A para o ponto B ? ou queremos um serviço de transporte que nos leve ? Se isso é um serviço de software é realmente relevante quem dirige ? A máquina ou um humano ?
Na realidade é relevante. O outro lado da mesma moeda, é que ao mesmo tempo que serviços são prestados por softwares, e depois trazidos a interagir com o mundo real, os softwares trazem defeitos com eles. De vez em quando e em certas circunstâncias, o software irá falhar. E com ele irá falhar o serviço. E se temos robots envolvidos a parte mecânica do robot pode falhar também. Então ao mesmo tempo que se “softwarizam” os serviços deixamos o conjunto mais frágil e com mais falhas. E conforme as pessoas se habitam essas falhas no software não afetam apenas o serviço e as máquinas, afetam quem depende delas. Não é por acaso que o transito piora quando todos seguem o waze. O software não considera que mandar um carro em um caminho é diferente de mandar 10 ou 100. Para ele é tudo igual. Mas no mundo real o espaço é limitado, e as aplicações de transito acabam provocando os próprios problemas queriam evitar. Irônico. O serviço de guia não vê diferença entre atravessar a avenida ou atravessar a favela, mas a diferença pode ter consequências mortais para o passageiro, como já aconteceu. Aprendemos a confiar no serviço prestado pelo software, como confiamos no serviço prestado por uma pessoa, mas softwares têm bugs e não têm senso comum.
Software as a Service traduz o atual modelo de negócios da famosa “nuvem”. Serviços como Software são a essência de como a sociedade tem vindo a evoluir e serão sempre parte da nossa vida, mesmo quando descermos das nuvens.
Todo o software só existe para prestar um, ou mais, serviços. Todo o software é, essencialmente, um serviço.